Ideologia Partidária X Doutrina dos Espíritos
O legado da tolerância doutrinária não se deve manifestar na
forma de omissão diante das enxertias conceituais e ideias anômalas que alguns companheiros intentam impor nas instituições doutrinárias em nome da militância
política.
Principalmente nas proximidades das disputas para eleições
político-partidárias, em que surgem aqui e acolá discussões sobre se o espírita
deve ou não candidatar-se a algum cargo eletivo.
*
Em verdade, a Doutrina dos Espíritos não estimula o
engajamento para funções nas estruturas político-partidárias.
E não ajusta sua
tribuna a serviço da propaganda partidária de quaisquer candidatos.
A tarefa
urgente do espírita é a transformação de comportamento individual, a luta pelo
ideal do bem, em nome do Evangelho.
Agindo assim, os espíritas não estão
alheios às questões políticas; engana-se quem pensa o contrário.
Os espíritas
incorruptíveis, fiéis à família, à sociedade e aos compromissos morais, são,
integralmente, cidadãos ativos, que exercem o direito e/ou obrigação (depende
do ponto de vista) de votar; porém, sem vínculos com as absurdas contendas
ideológico-partidárias.
*
Se algum confrade estiver vinculado a qualquer partido
político, se deseja concorrer como candidato a cargo eletivo, obviamente tem
total liberdade de fazê-lo, mas que atue bem longe dos ambientes espíritas, de
modo que não camufle, dentro da Instituição Espírita, disfarçada intenção,
visando conquistar votos dos frequentadores.
O excesso de cautela nesse caso é
recomendável; não é questão de preconceitos; é até uma questão de lógica, pois,
em se discutindo assuntos da política humana, é inadmissível trazer, para as
hostes espíritas, o partidarismo, a ideologia (de “direita”, “esquerda”,
“centro”, “ambas” etc. etc. etc.).
Conquanto, como cidadão, cada espírita tenha
o direito e o livre-arbítrio para militar no universo fragmentado das
ideologias político-partidárias, não tem o direito de confundir as coisas.
Não
esqueçamos que o Espiritismo não é um fragmento da política mundana, nem
tampouco se envolve com grupos políticos sectários, que utilizam meios
contraditórios com os fins de poder.
*
Como vimos, por razões óbvias, repetimos, é imperioso
distinguir o interesse de valor inócuo da política humana da excelsa política
de Jesus – a “Verdadeira luz que alumia a todo homem”(1).
Quando trabalhamos
pela erradicação da miséria e da exclusão social, estamos adotando a política
“d’Aquele que é desde o princípio”(2).
A política do verdadeiro espírita é a
favor do ser humano e de seu crescimento espiritual.
O espírita consciente não
se submete nem se omite diante do poder político, e nem tampouco assume o lugar
de “oposição” ou de “situação”.
Até porque "o discípulo sincero do
Evangelho não necessita respirar o clima da política administrativa do mundo
para cumprir o ministério que lhe é cometido.
O Governador da Terra, entre nós,
para atender aos objetivos da política do amor, representou, antes de tudo, os
interesses de Deus junto do coração humano, sem necessidade de portarias e
decretos, respeitáveis embora"(3).
Bezerra e Eurípedes
***
O primeiro capítulo do Estatuto da Sociedade Parisiense de
Estudos Espíritas estabelece a seguinte PROIBIÇÃO (isso mesmo, PROIBIÇÃO!):
“AS
QUESTÕES POLÍTICAS, DE CONTROVÉRSIA RELIGIOSA E DE ECONOMIA SOCIAL NELA
[S.P.E.E.] SÃO INTERDITAS”.
Portanto, e por imparcial razão, é inaceitável
alguém utilizar a tribuna espírita para propaganda político-partidária.
Da
mesma forma, é situação deprimente um espírita utilizar palanques eleitoreiros
a fim de implorar votos, valendo-se demagogicamente de sofismas e simulacros de
“modéstia”, “pobreza”, “humildade”, “altruísmo”, “tolerância”, exaltando suas
inigualáveis “virtudes” e colossais obras de “caridade”.
Aconselhamos a tais
imponderados "espíritas”, mendicantes de votos, que se afastem do
Espiritismo e optem por outro credo, a fim de que seja assegurado ao movimento
espírita a não contaminação dessa infecciosa política reles e mesquinha de
interesses pessoais.
*
Alguns defensores da politização nas casas espíritas evocam
Bezerra de Menezes e Eurípedes Barsanulfo a fim de justificarem seus
arrazoados.
A carreira política de Bezerra de Menezes iniciou-se em 1861,
quando foi eleito vereador municipal pelo Partido Liberal.
Foi reeleito para o
período 1864-1868 e elegeu-se Deputado Geral em 1867.
Novamente foi eleito
vereador em 1873.
Ocupou o cargo de presidente da Câmara, que atualmente
corresponde ao de prefeito do Rio de Janeiro, de julho de 1878 a janeiro de
1881.
Nessa época, a intensificação da luta abolicionista teve a adesão de
Bezerra, que usou de extrema prudência no trato do assunto.
Entretanto, no dia
16 de agosto de 1886, o público de duas mil pessoas que lotava a sala de honra
da Guarda Velha, no Rio de Janeiro, ouviu, silencioso e atônito, o famoso
médico e político anunciar sua conversão ao Espiritismo. A partir daí, não se
envolveu com o partidarismo político.
*
Quanto a Eurípedes Barsanulfo, foi respeitável representante
político de sua comunidade, sem dúvida.
Tornou-se secretário da Irmandade de
São Vicente de Paula, tendo participado ativamente da fundação do jornal
"Gazeta de Sacramento" e do "Liceu Sacramentano".
Logo
viu-se guindado à posição natural de líder, por sua segura orientação quanto
aos verdadeiros valores da vida.
Através de informações prestadas por um dos
seus tios, tomou conhecimento da existência dos fenômenos espíritas e das obras
da Codificação Espírita.
Diante dos fatos, voltou completamente suas atividades
para a nova Doutrina, pesquisando por todos os meios e maneiras, até desfazer
totalmente suas dúvidas.
A partir daí, o partidarismo político deixou de ser
parte integrante dos anseios do jovem mineiro.
*
Não temos necessidade de representantes políticos
*
Por fortes razões, é necessário que façamos profunda
distinção entre Espiritismo e política partidária.
Somos “políticos” desde que
nascemos e vivemos em sociedade; sim, e daí?
A Doutrina Espírita não poderá,
jamais, ser veículo de especulação das ambições particulares nesse campo.
Se o
mundo gira em função de políticas econômicas, administrativas e sociais, não há
como tolerar militância política dentro das hostes espíritas.
Não se sustentam
as teses simplistas de que só com a nossa participação efetiva nos processos
políticos ao nosso alcance ajudaremos a melhorar o mundo.
Isso é parvoíce
ideológica.
*
Não há como confundir a política terrena de interesses
menores com a política do “Filho do Altíssimo”(4).
Cada situação na sua
dimensão correta.
Política partidária, aos políticos pertence, enquanto que
prática espírita é atividade para espíritas cristãos.
O argumento de que os
parlamentares se servem, com o pretexto de "defender" os postulados
da Doutrina, ou aliciar prestígio social para as hostes espíritas, ou, ainda,
ser uma "luz" entre os legisladores, é argumento ardiloso, desonesto.
"NÃO TEMOS NECESSIDADE ABSOLUTA DE REPRESENTANTES OFICIAIS DO ESPIRITISMO
EM SETOR ALGUM DA POLÍTICA HUMANA"(5).
Os legítimos estudiosos espiritistas acercam-se da compreensão
de viver naturalmente impregnados de bom senso e humildade.
Entendem que
"a missão da doutrina é consolar e instruir, em Jesus, para que todos
mobilizem as suas possibilidades divinas no caminho da vida.
Trocá-la por um
lugar no banquete dos Estados é inverter o valor dos ensinos, porque todas as
organizações humanas são passageiras em face da necessidade de renovação de
todas as fórmulas do homem na lei do progresso universal"(6).
*
Mais uma vez, afiançamos que não se sustentam as teses
inúteis de que só com a nossa participação efetiva nos processos políticos ao
nosso alcance ajudaremos a “melhorar” o Brasil.
Não esqueçamos que o “Rei dos
Séculos”(7) cogitou muito a melhora da criatura em si.
Não nos consta que o
“Filho de Deus”(8) tivesse aberto qualquer processo político-partidário contra
ou a favor do poder constituído à época.
Portanto, a nossa conduta apolítica
(apartidária) não deve ser encarada como conformismo; pelo contrário, essa
atitude é sinonímia de paciência operosa, que trabalha sempre para melhorar as
situações e cooperar com aqueles que recebem a responsabilidade da
administração de nossos interesses públicos.
*
É acertado lembrar que, nos imperceptíveis consentimentos,
vamos descaracterizando o programa da Terceira Revelação.
A título de tolerância,
diversas vezes fechamos os olhos para a politização nas casas espíritas;
entretanto a experiência demonstra que, às vezes, é presumível até fechar um
olho, porém nunca os dois.
Considerando que nosso mundo é a morada da opinião,
é natural que apresentemos para os companheiros militantes políticos desacordos
sobre esse tema.
Inadmissível, porém, tendo em vista a própria orientação da
Doutrina Espírita, é o clima de injunções que se coloca, não raro, envolvendo
os que confundem intensidade com agressividade, ou defesa da verdade com
inflexibilidade.
*
Estamos investidos de compromisso mais imediato, em vez de
mergulhar no mundo da política saturada por equívocos deploráveis.
Por isso,
não devemos buscar uma posição de destaque, para nós mesmos, nas administrações
transitórias da Terra.
Se formos convocados pelas circunstâncias, devemos
aceitá-la, não por honra da Doutrina que professamos, mas como experiência
complexa, onde todo sucesso é sempre muito difícil.
"O espiritista sincero
deve compreender que a iluminação de uma consciência é como se fora a
iluminação de um mundo, salientando-se que a tarefa do Evangelho, junto das
almas encarnadas na Terra, é a mais importante de todas, visto constituir uma
realização definitiva e real.
A missão da doutrina é consolar e instruir, em
Jesus, para que todos mobilizem as suas possibilidades divinas no caminho da
vida.
Trocá-la por um lugar no banquete dos Estados é inverter o valor dos
ensinos, porque todas as organizações humanas são passageiras em face da necessidade
de renovação de todas as fórmulas do homem na lei do progresso
universal."(9)
Conclusão
Fosse uma sociedade educada para a tolerância recíproca,
para o respeito à autoridade, para o trabalho persistente, sem conflitos entre
servidores e governo, empresários e trabalhadores, em que as pessoas se unissem
para compreender a necessidade dos valores espirituais na vida de cada um ou de
cada grupo social, seríamos um país venturoso e pacífico.
Muitos podemos
admirar a política enquanto ciência, enquanto princípios, enquanto filosofia,
mas definitivamente não precisamos nos envolver em partidarismos políticos.
Pensamos ser justos em lutar por nossa ação voluntária na Sociedade, seja na
ação profissional, seja na ação de cidadania, sem trocar nossa dignidade por
politicagens ou conveniências pessoais.
Jorge Hessen
Referências bibliográficas:
1 João 1:9
2 1 João 2:13
3 Xavier, Francisco Cândido. Vinha de Luz, ditado pelo
Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1999,cap. 59
4 Lc 1.32
5 VIEIRA, Waldo. Conduta Espírita, Ditado pelo Espírito
André Luiz, Rio de janeiro: FEB, 2001, Cap. 10
6 Xavier, Francisco Cândido. O Consolador, ditado pelo
Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1984, pergunta 60
7 1Tm 1.17
8 Mt 2.15
9 Xavier, Francisco Cândido. O Consolador, ditado pelo
Espírito Emmanuel, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1984, pergunta 60.
Fonte:
Artigo publicado na
revista Eletrônica O Consolador http://www.oconsolador.com.br/ano8/376/especial.html
e no site: http://aluznamente.com.br
Jorge Luiz Hessen (Brasília/DF)
é membro da Rede Amigo Espírita, servidor Publico Federal,
residente em Brasília, palestrante, escritor, articulista em diversos jornais e sites, com
textos publicados na Revista Reformador da FEB, O Espírita de Brasília, O Imortal,
Revista Internacional do Espiritismo, entre outros e além de conselheiro da
revista eletrônica O Consolador.
Blog:http://jorgehessen.net/
Email: jorgehessen@gmail.com