A reencarnação na visão espírita
José Passini
A volta do Espírito ao mundo corpóreo é conhecida desde
tempos remotos.
Os Hindus, os Egípcios e os Gregos sabiam que a alma poderia
voltar à Terra, usando um novo corpo.
Esses povos acreditavam que, por efeito
de determinada punição, essa volta à vida física poderia dar-se até num corpo
animal.
Também os Judeus sabiam da volta do Espírito ao mundo
corpóreo, mas não há referências que pudesse esse retorno dar-se num corpo que
não fosse humano.
A reencarnação, para eles, ocorria em algumas situações um
tanto especiais: ou para concluir o que não tivessem conseguido terminar numa
vida, ou para serem punidos, em face de males praticados.
Quando o doutor da
lei perguntou a Jesus: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” 1, não
estaria ele querendo que Jesus lhe ensinasse alguma fórmula especial, uma
espécie de atalho, que o desobrigasse de voltar à Terra, numa nova encarnação?
É difícil imaginar que o doutor da lei estivesse se referindo à obtenção da
imortalidade, pois os Judeus tinham convicção profunda a esse respeito.
Tudo
indica que ele pretendia lhe ensinasse Jesus um procedimento que o livrasse do
retorno aos trabalhos do mundo, como acontece ainda hoje com pessoas que, ao se
inteirarem da reencarnação – sem levarem em conta a necessidade evolutiva –,
solicitam expedientes que lhes possibilitem não terem mais que voltar à
Terra...
Há outra situação em que os Judeus julgavam ser possível a
reencarnação: o cumprimento de missão.
O exemplo mais claro é o da esperada
volta do Profeta Elias para a preparação dos caminhos do Messias, conforme
atesta o próprio Mestre: “E, se quereis dar crédito, é este o Elias que havia
de vir” 2, referindo-se a João Batista.
Coube ao Espiritismo trazer o conhecimento da reencarnação
ao mundo ocidental, e o fez dando uma visão muito mais ampla e profunda,
demonstrando que todos os Espíritos reencarnam, não apenas para a solução de
equívocos de uma vida passada, ou para o cumprimento de determinada missão, mas
pela necessidade inerente a toda a criação: o imperativo do progresso, da
evolução.
Em verdade, ainda que não houvesse nenhuma afirmação a
respeito da pluralidade das existências, ela seria depreendida como necessidade
absoluta, face à amplitude do programa de aperfeiçoamento da alma apresentado
por Jesus, através do Evangelho.
De quantos milênios vamos necessitar para
pormos em prática, integralmente, um ensinamento como esse: “Eu, porém, vos
digo: Amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos perseguem e
caluniam” 3?
De quantos milênios vamos necessitar, nós Espíritos ainda vacilantes
entre o bem e o mal, que não sabemos amar plenamente nem os amigos?
O
Codificador demonstra sua visão lúcida a respeito do assunto, quando inquire os
Espíritos: “Como pode a alma, que não alcançou a perfeição durante a vida
corpórea, acabar de depurar-se?” 4
A reencarnação – opondo-se frontalmente à salvação gratuita
pela fé – dignifica o Espírito imortal, que vai galgando os degraus do
aperfeiçoamento ao longo dos milênios sucessivos, crescendo em sentimento e
intelectualidade, num trabalhoso processo de exteriorização da herança divina,
concedida igualmente a todos os Espíritos.
No nascedouro, todos absolutamente
iguais.
As diferenças individuais, portanto, não decorrem de capricho divino,
mas sim do empenho de cada Espírito no sentido de promover o seu próprio
progresso.
Nesse caminhar, vai recebendo, por justiça, os frutos de todo o bem
semeado, e, em função dessa mesma justiça, é compelido a reparar os males
praticados, mas não em igual medida, graças à misericórdia divina.
O Espiritismo, ao revelar ao mundo ocidental a reencarnação,
prova que a verdade religiosa não é incompatível com a verdade científica,
explicando que a evolução do Espírito caminha pari passu com a evolução física
demonstrada por Darwin, ao tempo em que resgata diante da consciência humana um
dos atributos básicos de um Ser Perfeito: a Justiça.
Tudo provém de uma mesma
fonte, todos partimos de um mesmo ponto, dotados da mesma potencialidade
evolutiva, conforme ensinaram os Espíritos: “É assim que tudo serve, tudo se
encadeia na Natureza, desde o átomo primitivo ao arcanjo, que também começou
por ser átomo”.5
Por conhecer essa luz divina imanente em toda a criação, é que
Jesus lançou o desafio evolutivo: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos
homens (...)”.6
A evolução do Espírito fica muito evidente nas palavras de
Jesus, quando se declara, ele também, um Espírito em evolução: “Na verdade, na
verdade vos digo que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço, e
as fará maiores do que estas (...).”7
É verdade que no dia em que chegarmos a
fazer o que o Mestre fazia à época em que pronunciou essas palavras – daqui a
alguns milhões de anos –, pensando que nos igualamos a ele, ele estará ainda à
nossa frente, pois ele disse que poderíamos fazer obras maiores do que as que ele
fazia, mas não disse que nós o ultrapassaríamos.
Ultrapassaremos o ponto
evolutivo em que ele se encontrava naquele dia, mas ele estará ainda à nossa
frente, de vez que a evolução é infinita. E nós nem sabemos o que é infinito, a
não ser através de uma definição terrivelmente circular: “aquilo que não tem
fim”!
Kardec, em brilhante ensaio8, defende, com argumentação
irretorquível, o imperativo da reencarnação sob a ótica da justiça e da
misericórdia de Deus.
É um trabalho monumental, até hoje não contestado por
filósofo ou teólogo algum.
Muitos livros foram escritos tendo como tema a
reencarnação, mas não se conhece nenhum trabalho sério que rebata os argumentos
ali apresentados.
Aos argumentos alinhados pelo Codificador, pode-se ainda
acrescentar uma série de outros, graças aos esclarecimentos trazidos pelo
Espiritismo:
Se o Espírito fosse criado juntamente com o corpo, como
ficaria a justiça divina ante a flagrante diferença que existe entre as
oportunidades deferidas ao homem e à mulher, na família, na sociedade e até
mesmo nas religiões?
Seria o caso de a mulher perguntar – e muitas perguntam –
por que Deus as criou mulheres, sem as consultar, para sofrerem, em muitos
casos, cerceamento de liberdade por parte dos pais, e depois as exigências e,
não raro, a brutalidade dos maridos, enquanto lhes pesam nos ombros as sérias
responsabilidades no encaminhamento e na manutenção da saúde dos filhos?
O
Espiritismo, dentro de uma visão evolucionista, mostra que o Espírito não tem
sexo, podendo encarnar-se como homem ou como mulher, segundo o seu
livre-arbítrio.
De acordo com a doutrina da unicidade das existências, a
criação de novas almas não seria decorrente da vontade do Criador, mas estaria
sujeita ao arbítrio dos casais, pois que poderiam usar um contraceptivo,
impedindo Deus de usar o Seu poder de criar uma nova alma.
O Espiritismo nos
ensina que, ao usar qualquer recurso anticoncepcional, um casal apenas impede
que um Espírito, já criado por Deus, que já encarnou outras vezes, volte à
Terra para uma nova etapa de aprendizagem.
No caso de um estupro, por que se valeria Deus de um ato de
violência, de ultraje, de desrespeito, para criar um Espírito?
Onde estaria a
justiça divina, se outros são criados, ao contrário, em momentos de amor
sublime, como filhos altamente desejados?
Por que teria esse Espírito, fruto de
uma violência, de ficar estigmatizado por toda a Eternidade?
Através dos
esclarecimentos da Doutrina Espírita, sabe-se que o acontecimento brutal que se
deu tem causas anteriores, e que o Espírito que se reencarna, aceitando ou
sendo compelido a aceitar uma situação dessa natureza, tem ligações de natureza
vária, estabelecidas no passado, principalmente com aquela que lhe será mãe.
Se não houvesse experiências anteriores, como explicar a
rebeldia, a brutalidade, o mau caráter de um filho que tem toda uma
ancestralidade constituída de pessoas dignas?
Alguém poderá objetar, dizendo
que é herança genética de um parente longínquo.
Mas que culpa têm os pais?
Por
que Deus permitiria que esses gens danosos entrassem na formação daquela alma?
A prosperar essa ideia, chegar-se-ia ao absurdo de, no esforço de impedir Deus
de criar Espíritos de mau caráter, dever-se-ia esterilizar todos os que não
fossem portadores de virtudes.
Seria assim fácil “aperfeiçoar” a raça humana,
como pretenderam, no campo físico, os cultores da louca teoria da raça pura.
O Espiritismo esclarece que ninguém herda inteligência,
virtudes ou defeitos morais, por serem atributos do Espírito, que os traz como
bagagem própria, intransferível quando reencarna.
Se um casal tem um filho que
lhe nega as linhas morais da família, trata-se de um Espírito que foi por eles
adotado, em função do desejo de auxiliá-lo, ou o receberam como consequência de
um passado comprometido com ele, “porquanto o Espírito já existia antes da
formação do corpo”.9
Dentro dessa linha de raciocínio, chega-se à conclusão que
todos os filhos são adotivos, enquanto Espíritos criados por Deus.
O casal
apenas “fornece o invólucro corporal”.9
Diga-se, de passagem, que, para um ajustamento
de linguagem, dever-se-ia dizer: filhos consanguíneos e não consanguíneos,
porque todos são adotivos.
A doutrina reencarnacionista é a única que não é racista,
pois demonstra que Deus não seria justo se criasse um Espírito imortal dentro
de uma raça.
O Espírito é criado por Deus e evolui, passando pela humanização,
no processo de angelizar-se.
Ao humanizar-se, encarna-se inúmeras vezes, nas
mais variadas raças, mas seu início, sua criação não está vinculada a grupo
étnico nenhum.
A bem dizer, todos os Espíritos pertencemos a uma única raça,
pertencemos à raça divina, porque somos filhos de Deus.
Bibliografia:
Novo Testamento:
1 - Lc, 10: 25
2 - Mt, 11: 14
3 - Mt, 5: 44
6 - Mt, 5: 16
7 - Jo, 14:12
O Livro dos Espíritos:
4 - item 166
5 - item 540
8 - item 222
9 - O Evangelho segundo o Espiritismo: Cap. 14, item 8.
*José Passini é espírita atuante no Movimento Espírita de Juiz de Fora/ MG / Brasil . E mail: passinijose@yahoo.com.br.
Fonte
O CONSOLADOR. Disponível em
http://www.oconsolador.com.br/ano8/371/jose_passini.html. Acesso: 21 JUL 2014.
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